
EXPOSIÇÃO DE 25 DE MARÇO A 26 DE ABRIL - SEGUNDA A SEXTA 11H ÀS 19H - SÁBADO 11H ÀS 15H - DOMINGO FECHADO
Natural do norte do Ceará, Higo José tem a memória afetiva do convívio, na infância, com os desenhos rupestres do Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí. Ao dar início à sua produção artística, 10 anos atrás, todos os seus processos o levavam para aquelas experiências.
Higo, aliás, começou bordando, um ofício que aprendeu com a avó.
Nós, da Galeria Estação, o conhecemos há dois anos, e desde então temos mostrado seu trabalho em feiras de arte e outros contextos públicos, no Brasil e no exterior. A repercussão tem sido ótima. Agora, abrimos sua primeira individual, em que todas as obras expostas foram realizadas especialmente para esta ocasião.
VILMA EID

Com um caráter curioso e especulativo em percorrer as regiões do Brasil, o artista atravessa paisagens, experimentando novas rotas que conduzem aos seus interesses estéticos.
BITU CASSUNDÉ
BITU CASSUNDÉ
OUTRAS ESCRITURAS - HIGO JOSÉ
As cavernas brasileiras possuem importantes registros visuais, que sinalizam as ritualidades e crenças de um cotidiano pré-histórico, por meio de pigmentos naturais extraídos de minerais ou plantas. Estruturas rochosas soltas na natureza também abrigam essas visualidades, ou seja, imagens, na sua maioria compostas de traços geométricos ou figuras humanas, habitam o dentro e o fora de diferentes sítios arqueológicos do país. Tais estratégias de comunicação são consideradas as primeiras representações artísticas e compõem valiosos vestígios e códigos, principalmente através de pinturas realizadas em pontos propícios à reverberação acústica nas câmaras de cavernas. Em se tratando do Nordeste, podemos destacar o Parque Nacional da Serra da Capivara (PI) e o Parque Nacional do Catimbau (PE). Natural do Ceará, o artista Higo José carrega consigo alguns interesses que reverberam do seu lugar de origem, como nas técnicas manuais do bordado que aprendeu com a avó ainda na infância e que compõem uma prática fundamental para a sua atual produção. Possui uma formação multidisciplinar com interesses que acionam diversas técnicas e códigos, tendo a linguagem, a gestualidade do bordado e da escultura, como importantes ferramentas na composição de uma visualidade poética. Suas pesquisas recentes percorrem uma iconografia das pinturas pré-históricas e se amplificam para a construção de um vocabulário que incorpora referências da natureza dos territórios. A exposição Paleovisões, apresentada na Galeria Estação, reúne um conjunto de trabalhos que possuem a linha como materialidade. Exibidos num formato standard e tendo como suporte o linho e a manta de redes, o grupo de treze bordados reverbera um repertório de uma natureza paleolítica, que vai se modelando pela organicidade das figuras, que ocupam com mais força e presença o seu lugar na composição. A pesquisa se amplia a partir da interação com a ritualística tradicional da ayahuasca, na Aldeia Boa Vista, no município de Jordão, no Acre, e se expande na relação com demais interesses do artista. O conjunto escultórico refere-se aos utensílios e artefatos em pedra, como pilões, machados e moedores, e às estruturas em formas humanas encontradas nos sambaquis – construções arqueológicas intencionais, em formato de pequenos morros no litoral brasileiro, mais numerosos em Santa Catarina, criados para funções diversas, de moradia a cemitérios e rituais, esses últimos por etnias indígenas. Com um caráter curioso e especulativo em percorrer as regiões do Brasil, o artista atravessa paisagens, experimentando novas rotas que conduzem aos seus interesses estéticos. A experiência, convivência e prática nas especificidades dos espaços reafirma o desejo pelo outro lugar, pelas caligrafias que organizaram novas formas de existência e tatuaram nas epidermes das cavernas o tempo, a memória, os vestígios. O gesto contemporâneo é o fio que conduz Higo José a articular essas aproximações entre as escrituras de um tempo versus uma visualidade transposta pela gestualidade ancestral do bordado através da linha, assim como as esculturas que, revestidas pelos fios, conferem diferentes modos de perceber as ritualidades, por artefatos utilitários ou que remetem ao sagrado, por meio de esculturas votivas.

TOUR VIRTUAL DA EXPOSIÇÃO

AYAHUASCA
por Higo José
O ritual teve início por volta das 22h. Tomei o líquido e sentei-me no chão. Fiquei olhando para a fogueira, o que me deixou com muito sono. Até que, por volta de uma hora depois, começaram os efeitos da ayahuasca, e o sono cessou. A primeira vontade que tive foi de vomitar. Fiquei de cócoras e sentia as contrações do vômito, mas não saía nada. Era só o movimento do vômito. Ainda de cócoras, quando levantei a cabeça, notei uma árvore na minha frente. De repente, na silhueta daquela árvore, comecei a ver algo como se fossem hieróglifos piscando, ou algo parecido. Quando olhava para a grama, era como se pequenos seres estivessem se mexendo ali. As silhuetas das árvores ao longe também pareciam se movimentar. Daí fechei os olhos e comecei a ver espirais em 3D coloridas. Os sons dos cânticos daquele ritual, que vinham por trás de mim, começaram a soar diferente, com eco e distorcidos. Acho, então, que a primeira reação do meu corpo foi repelir a substância. Tive muitos enjoos, calafrios e várias sensações fisiológicas, como se fosse um aviso de que havia substância estranha em meu organismo, ou algo do tipo. Depois dessas primeiras sensações desagradáveis, fiquei sentado, parado em uma cadeira, perto da fogueira. Embora estivéssemos no Acre, a noite estava bem fria. As alucinações começaram a ficar mais fortes. Via muitos padrões e formas se mexendo no chão. Passei a me sentir como se estivesse embriagado. Cada vez mais eu tinha necessidade de me mexer. Percebi que algumas pessoas estavam falando sozinhas. Fiquei com um pouco de medo, pois alguns daqueles sinais e sintomas eram parecidos com os que tive em um episódio dissociativo. Meu maior medo era dissociar, perder o controle e não conseguir voltar “ao normal”. As alucinações se intensificaram e, cada vez mais, era difícil controlar o corpo. Os sentidos pareciam superaguçados. Minhas mãos e pés estavam inquietos, comecei a esfregar a mão pelo rosto e a bater os pés no chão. A todo momento lembrando de sentir a respiração e cantar junto. Os medos já se dissipavam quando passei a falar comigo mesmo em terceira pessoa. E, para me acalmar, repetia que aquelas alucinações passariam e que “o Higo voltaria ao amanhecer”. Fiquei olhando o grupo que estava comigo se movimentando muito ao meu redor. Algumas pessoas falando sozinhas, rindo, cochichando. A partir de um determinado momento, comecei a perceber aqueles corpos se mexerem como em um vídeo feito por inteligência artificial em que derretiam ou se distorciam. Levantei algumas vezes e vomitei só água, bem pouco. Fiquei a maior parte do tempo sentado, movimentando muito os pés, fazendo desenhos circulares no chão. Estava descalço e fazia movimentos na areia, formando desenhos, que pareciam borboletas. Ainda batia muito os pés no chão e, quando olhava pra baixo, lembrava-me de desenhos rupestres. Então comecei a desenhar apenas a silhueta de animais e pessoas. Olhei para o lado, e minha amiga Simone estava cantando e falando sozinha, com um capuz tapando os olhos. Olhei para o lado oposto, e havia a casa de madeira e telhado de palha na qual estávamos hospedados. Estava diferente, parecia uma arquitetura modernista. Demorou mais alguns segundos e olhei de novo. Agora a casa parecia isolada no espaço, como se só existisse aquilo. Olhei de novo e parecia estar derretida como uma vela usada. Comecei a criar uma fixação pela casa. Depois disso, sempre que me lembrava, dava uma olhada para a casa e ela parecia diferente a cada vez. Ao longe, na mata, via lanternas piscando. Eram as pessoas que andavam conversando, às vezes sozinhas, outras vezes acompanhadas e de mãos dadas. No céu, os pontos de luz das estrelas pareciam estar a um metro acima da minha cabeça. Isso me assustou um pouco. Não consegui ficar olhando por muito tempo. Meu corpo parecia congelar de frio, e na minha cabeça determinei que não poderia sair de perto da fogueira. Se saísse, morreria de frio. Porém, depois de alguns segundos mais perto da fogueira, meu corpo parecia estar em chamas, então tornava a colocar a cadeira mais longe. Fiquei nesse vai e volta por um tempo. Em dado momento olhava para as mulheres que entoavam os hinos e só conseguia me perguntar como elas conseguiam continuar cantando de forma ordenada e correta. A essa altura, já estava falando comigo mesmo, não apenas na mente, mas em voz baixa, cochichando. Percebia as pessoas ao meu redor se movimentando como se fosse em stop motion, ou como se fossem vultos que transcendessem o espaço-tempo, a desaparecerem e reaparecerem mais à frente, como se tivessem dado um salto espacial, em um curto intervalo de tempo. De repente, tudo estava movimentado e barulhento. Algumas pessoas pararam na minha frente e pareciam seres esticados, com corpos alongados e gigantes. Tive a sensação de estar cercado. Nesse momento me bateu um medo, mas logo me veio um raio de lucidez, lembrando para não entrar em paranoia. Então baixei a cabeça e olhei para o chão, onde havia muitas pegadas que pareciam se movimentar freneticamente. Voltei a desenhar silhuetas de animais. Depois de um tempo, quando voltei a olhar para a frente, tudo já parecia mais calmo. Tive a sensação de que aquele ritual, com várias pessoas ao redor de uma fogueira, estava flutuando no espaço. Não conseguia enxergar nada além das pessoas, parecíamos envoltos em uma escuridão infinita, com apenas um foco de luz no centro. Olhei pra minha amiga Simone, ao meu lado, e falei para ela que dessa vez a bebida tinha “batido”. Demo-nos as mãos e começamos a rir. Agradeci-a por ter me levado ali, àquele encontro. Em outro momento olhei para o mestre de cerimônia, que estava longe de mim, e ele parecia transformar-se em uma borboleta, com as asas abrindo nas costas. Minha visão estava superpoluída por pontos e padrões coloridos que se movimentavam como um véu na minha vista. As formas de bolhas coloridas também eram onipresentes, para onde quer que eu olhasse, havia essas formas. Em alguns momentos observava minhas mãos e pés e chacoalhava-os, tinham um movimento curioso que me atraía, tentava contar os dedos, na maioria das vezes não conseguia terminar a contagem, mas lembro de ter contado mais de cinco dedos em uma mão e, surpreso, ter que reiniciar a contagem. O relógio marcava por volta de uma da madrugada, e me veio uma preocupação com a duração das alucinações, pois até ali as visões pareciam só aumentar e ficar mais intensas, me distraía, fechava os olhos, via formas e linhas coloridas. Lembrei de olhar no relógio novamente. Parecia que tinha se passado uma eternidade, mas eram apenas cinco minutos. Enquanto os efeitos da ayahuasca estavam no auge, tive dificuldade de lembrar o meu nome, onde eu estava e o que eu tinha tomado. Minha mente não conseguia focar em nada por mais de dois segundos; sempre vinha outro pensamento ou sensação, seguido de outro e de outro. Até que comecei a perceber o efeito diminuir, e isso me fez ficar mais calmo e me entregar às sensações, sem a preocupação de estar perdendo o controle. Relaxei meu corpo, me larguei na cadeira e, fechando os olhos, sentia aquelas formas coloridas virtuais se movimentarem. Voltei para os cachorros que estavam sempre ali por perto, pareciam retorcidos, alongados, esqueléticos e me lembravam uma pintura de Candido Portinari, da qual não conseguia lembrar exatamente, mas que vira em uma mostra do artista no Masp. Senti uma grande compaixão por eles e na minha cabeça determinei que eles eram meus guardiões ali, chamei um deles até mim e fiquei acariciando sua cabeça e conversando por longos minutos. Os efeitos já estavam bem mais fracos, e sempre vinha o chefe da tribo me perguntar se eu estava bem. Os efeitos que se seguiram eram apenas quando eu fechava os olhos e vinham formas coloridas. Os sons e a sensação de controle do corpo já tinham voltado ao normal. Senti uma paz muito grande e fiquei fitando a fogueira por um longo tempo, sentado, estático, parecia que eu tinha voltado a ser eu, e quando estava sob os efeitos alucinógenos era outra coisa, ou pessoa. Por volta das cinco da manhã fui dormir na minha rede, ainda com os cânticos ao fundo. No dia seguinte, quando acordei, temi esquecer o que acontecera, e comecei a tomar nota do que me lembrava. Em minhas viagens, sempre ando com um pequeno caderno de desenho; comecei, então, a rabiscar figuras em suas páginas, sem parar. Não só naquela tarde, mas também nos dias subsequentes a essa viagem, que ainda reverbera na minha mente.

Paleovisões: Higo José
Quando: de 25 de março a 26 de abril de 2025
Galeria Estação - Rua Ferreira Araújo, 625 - Pinheiros, São Paulo
Abertura: 25 de março (terça-feira), das 18h às 21h.
Horários de funcionamento da galeria: segunda a sexta, das 11h às 19h; sábados, das 11h às 15h; não abre aos domingos.
Tel: 11 3813-7253
Diretores
Vilma Eid
Roberto Eid Philipp
Historiador da arte
José Augusto Ribeiro
Textos
Bitu Cassundé
Higo José
Diretora Comercial
Giselli Gumiero
Vendas
Amanda Clozel
Alyne Shiohama
Produção
Lu Mugayar
Diretora de Marketing
Luciana Baptista Philipp
Comunicação e Marketing
Zion Digital Marketing
Fotos
Filipe Berndt
Montagem
Cadu Pimentel
Iluminação e apoio de produção
Marcos Vinícius dos Santos
Kléber José Azevedo
Assessoria de imprensa
Baobá Comunicação, Cultura e Conteúdo
Revisão
Otacílio Nunes
Tradução
Maria Fernanda Mazzuco - Inglês
Impressão e acabamento
Romus Indústria Gráfica